Comunicação e Publicações
Breve resenha da Sistematização dos Indabas provinciais
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Revdo. Carlos Eduardo Calvani
A divulgação da sistematização pelo CEA dos resultados do processo de Diálogo Indaba veio em boa hora. Trata-se de um texto que apresenta um retrato da IEAB, tal como experimentado pelas lideranças que participaram desses diálogos.
“Indaba” é um termo africano que corresponderia a uma “tempestade de idéias” (brainstorm). Essa metodologia foi utilizada na última Conferência de Lambeth (2008). As pessoas reúnem-se não para discutir, debater ou fazer prevalecer suas idéias. Reúnem-se simplesmente para verbalizar suas experiências e o modo como enxergam alguma situação. Naturalmente sempre há um coordenador no grupo, mas esse não define a pauta da discussão; apenas lança a questão central e tenta controlar o tempo evitando que uma só pessoa ou grupo monopolize o discurso. Alguém anota a maior quantidade possível de contribuições e depois o material é relido, repartido, socializado e sistematizado. Trata-se de uma metodologia de “empoderamento” (empowerment), sobretudo do laicato, que tem a oportunidade de expor livremente suas opiniões sem medo de ser “corrigido” ou confrontado naquele momento, pois uma das regras é exatamente essa: deixar as pessoas falarem e, por mais absurda ou fora de foco que seja a opinião, simplesmente ouvi-la, guardar no coração o que se ouve e refletir. O máximo permitido à pessoa que coordena é evitar dispersão do foco central.
Por isso é muito importante valorizar cada frase e percepção dos Indabas. O relatório não é uma produção “de cima para baixo”, que tenha sido elaborada em reuniões fechadas das lideranças a partir da “minuta” de poucas cabeças pensantes. O relatório tampouco oferece soluções, mas sinaliza caminhos e preocupações na medida em que reflete as próprias percepções dos participantes envolvidos e também as percepções das comunidades que representam. Todas as pessoas envolvidas no Indaba são gente da própria igreja, gente que freqüenta, colabora, participa, contribui financeiramente e muitas dessas pessoas, no decorrer de seu compromisso, acabam descobrindo uma vocação e algumas delas tornam-se clérigas.
O documento reflete preocupações de pessoas e comunidades espalhadas pelo Brasil. Nesse sentido, é bom lembrar que ele é um sinal da diversidade da IEAB. Ao ler o texto é preciso ter em mente essa diversidade, e para contribuir com a leitura elencamos alguns pontos:
1. A IEAB é formada por comunidades antigas (algumas centenárias) e outras comunidades novas, nascentes, com menos de 15 ou 20 anos de existência e que ainda estão buscando sua consolidação financeira e estrutural;
2. O texto reflete também uma diversidade na formação básica do clero e laicato que o produziu – em nosso clero e lideranças leigas há pessoas nascidas e criadas na IEAB; outros provenientes da Igreja Católica Romana; outros de Igrejas Protestantes tradicionais e outros, ainda, das comunidades pentecostais. Por isso, por vezes aparecem diferentes concepções eclesiológicas e diferentes ênfases na missão;
3. A primeira percepção que tenho ao ler o documento, é que ele revela um forte sentimento de “baixa-estima” em relação às contradições entre o plano ideal (teológico) e o plano real (prático). Esse sentimento transparece claramente na primeira parte (“Ver”). As pessoas reconhecem que a proposta da IEAB é excelente - “temos uma ótima concepção de ser Igreja”, ou seja, temos uma boa eclesiologia, com uma bela tradição litúrgica e uma proposta inclusiva, mas aparentemente, nós mesmos ainda não conseguimos compreender esse tesouro em vasos de barro. Ao mesmo tempo em que nos orgulhamos de nossa tradição, teologia e liturgia, não conseguimos (“por medo ou timidez” ou por “não parecer proselitismo”), divulgar e convidar outras pessoas a viver a experiência de fé na IEAB;
4. As críticas à estrutura são muito fortes. Transparece no documento a busca por leveza estrutural e a reclamação de que sofremos com o peso da manutenção de uma estrutura copiada da experiência eclesial norte-americana e transposta/imposta para o Brasil. Se fizermos uma leitura sócio-política e utilizando linguagem da economia, diríamos que o povo deseja um “Estado/Província” menor, mais ágil e menos burocrático e que atue diretamente no incentivo à ação missionária, à formação teológica nos diferentes níveis, desde a educação infantil (às vezes chamada “catequese”; outras vezes “Escola Dominical”) até a formação clerical. Esse anseio é simplesmente reflexo da cultura da pós-modernidade que clama por autonomia e mínima interferência estatal ou hierárquica nos assuntos privados ou de comunidades locais/regionais e, se levado ao seu extremo prático, significara, a médio prazo um progressivo congregacionalismo. O documento parece ciente desse risco e, por isso solicita maior acompanhamento na formação do ministério ordenado, pois a identidade futura da IEAB estará intimamente ligada à identidade e formação dos futuros clérigos.
5. O documento também solicita uma ampla reflexão sobre o perfil do ministério ordenado. Sobram reclamações em relação ao episcopado e aos clérigos locais; ao mesmo tempo, essas críticas parecem apontar para um elemento positivo – a valorização dos ministérios ordenados. As lideranças reconhecem que os clérigos são mal-remunerados e que não conseguem dedicar-se integralmente nem à própria espiritualidade (o que resultaria em maior “sensibilidade pastoral”) e menos ainda à formação espiritual, litúrgica, diaconal e missionária das comunidades aos seus cuidados. Ao mesmo tempo, o documento aponta uma bela perspectiva de ministério compartilhado, ao dizer: ”o papel do sacerdote é servir integralmente à comunidade, enquanto o papel da comunidade é cuidar do sacerdote para que ele possa desempenhar este serviço”.
6. A “teologia da missão” ainda é confusa, oscilando entre a ênfase em crescimento numérico e quantitativo das comunidades e as ações diaconais e políticas. Essa confusão indica que carecemos urgentemente de uma Missiologia mais sólida e enraizada na Eclesiologia.
7. Finalmente, o texto tem um caráter de urgência, ao lembrar várias vezes que “este é o momento” de uma profunda reflexão sobre nossa identidade – quem somos, o que queremos e o que faremos. O anseio por uma nova Constituição e Cânones é reforçado, com suas consequentes derivações (um novo projeto de formação teológica, novo LOC, novo hinário, nova estrutura administrativa, novas ênfases pastorais, etc).
Em suma, trata-se de um documento que não pode ser lido e engavetado. O texto é uma profunda auto-crítica da IEAB e deveria ser alvo de constantes releituras nos próximos anos, entre este e o próximo Sínodo quando deverá ser reavaliado à luz de novos Indabas.
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