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Informativo CEA

Primeira Ordenação Feminina na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

POST CEA 35 anos fem

“O Senhor ficou comigo e me deu poder, para que por meio de mim fosse anunciada a sua mensagem” (II Timóteo 4:17)

A Primeira Ordenação Feminina

Antes de ser um consenso fruto de diálogo, a ordenação feminina foi fruto da necessidade. Em 1944, a Igreja de Hong Kong passava por uma situação singular, devido à falta de homens – que estavam lutando contra a ocupação japonesa – naquela província. Os bispos da decidiram, então, ordenar uma mulher. Florence Li Tim Oi entrou para a história como a primeira sacerdotisa de uma religião cristã e como reverenda na Comunhão Anglicana, na Colônia de Macau – apesar de ter renunciado o título ao final da guerra, ela é um marco para o início de uma discussão mais ampla.

 

Desde então, ordenação de mulheres na Comunhão Anglicana é uma tendência desde a década de 70, intensificando-se após a virada do século XX. Atualmente, a maioria das da Comunhão Anglicana ordenam mulheres para uma das três ordens tradicionais, consagrando bispas, reverendas e/ou . Outras províncias ordenam mulheres como diáconas e reverendas, mas não como bispas; outras, ainda, apenas como diáconas; e sete províncias não ordenam mulheres a qualquer uma dessas ordens do ministério.
Dentro de algumas províncias que permitem a ordenação de mulheres, a aprovação da legislação canônica, permitindo tal prática, é de responsabilidade das dioceses, seguindo a tendência de autonomias das dioceses em relação umas às outras.

O MINISTÉRIO ORDENADO DE MULHERES NO BRASIL
Em 1973, por ocasião do 24° Concílio da Diocese Sul Ocidental, de 4 a 7 de janeiro, em Santana do Livramento/Rio Grande do Sul, a irmã Maria Elvira Zimmermann Noble fez o primeiro discurso apologético em defesa da ordenação feminina na então Igreja Episcopal do Brasil. Doze anos depois, a IEAB aprova, em assembleia sinodal, o pleito da ordenação de mulheres.

Por fim (ou pra início de conversa) em 05 de maio de 1985, a IEAB realiza a primeira ordenação feminina ao diaconato, sendo ordenada Carmen Etel Alves Gomes, precursora dessa caminhada que foi seguida por dezenas de outras mulheres até a presente data.

A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) comemora, em 2020, 35 anos de ministério ordenado de mulheres. Passemos, então, ao legado da primeira ordenação feminina, com algumas incursões pessoais:

CARMEN ETEL, ONTEM E HOJE
Carmen Etel Alves Gomes nasceu em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. É formada em Ciências Sociais e Teologia. Já atuou como presbítera em várias regiões do Brasil, e do mundo, e atualmente trabalha no Centro de Estudos Anglicanos em Porto Alegre e é Pároca na Igreja de Todos os Santos em Novo Hamburgo. Nos anos 80, já pregava sobre novas teologias, utilizando-se da linguagem da práxis, consciência e fé política – o que concedeu a ela o rótulo de padre vermelho, pela sua voz profética de denunciar as injustiças.

A reverenda trata o sexismo como pecado presente na sociedade que respinga, por óbvio, nas nossas comunidades, no contexto de uma cultura patriarcal. Apesar da boa relação histórica da IEAB com relação à ordenação de mulheres, ressalta que não há plena igualdade de gênero. Denuncia que uma mulher mesmo tendo uma ótima bagagem teológica, bíblica, pastoral – concorrendo com um homem, não ganharia a eleição. Não por falta de capacidade, mas devido ao patriarcado arraigado nas comunidades e na sociedade, porque nós mulheres sofremos cotidianamente quanto ao questionamento da nossa capacidade para cargos de liderança, ou mesmo da nossa sanidade. A luta toma proporções de saúde mental a ponto de duvidarmos de nós mesmas.

Sobre as demais ordenações cristãs, lamenta a invisibilidade da mulher no altar, devido a interpretações de textos da Bíblia que endossam a ideia de que mulheres não podem ser sacerdotisas. Isso se dá muito da nossa leitura bíblica, como se só fosse escrita por homens, embora tenhamos textos bíblicos de presença e participação proeminente da mulher. Afirma que, mesmo tendo na Bíblia um forte, se consegue, com a feminista, descobrir que Deus se apresenta na história da libertação usando as mulheres desde o início da caminhada do Êxodo. Nesse sentido, Redomas traz consigo muitos olhares femininos sobre a Bíblia e nossa caminhada com Cristo como mulheres numa sociedade machista.

Por isso Carmen acredita no ministério feminino, principalmente na missão fora do templo, junto das bases. Profetiza que mulheres vocacionadas contribuem para uma Igreja Profética, aberta, solidária e acolhedora em todos os sentidos: nós mulheres contribuímos quando somos vozes proféticas de denúncia dessa violência que estamos vivendo hoje, e anunciamos a busca da construção de uma cultura pela Paz!

Existem tópicos, para Carmen, em que a contribuição da mulher é salutar, como na questão da prevenção e enfrentamento da Violência de Gênero. Além disso, para ela as mulheres ordenadas ainda ajudam na construção de uma nova teologia. Cita a Teologia Feminista de Ivone Gebara, a Hermenêutica de Fiorenza, e como a Hermenêutica Feminista abriu os olhos para nos permitir apropriarmo-nos dos “textos”, tornando-os como luzes para a caminhada de hoje.

Ainda, a reverenda entende que a linguagem patriarcal que se refere a Deus nas nossas liturgias é instrumento de condicionamento sutil que age para fragilizar o sentimento de dignidade, de poder e de autoestima da mulher: essa imagem de Deus Pai introjetada só tem contribuído para que a sociedade continue oprimindo a mulher, permitindo que os mecanismos de opressão contra esta pareçam corretos e adequados. Que Deus a Igreja tem pregado?

DEUS: PAI E MÃE
Dito isso, importante ressaltar que, em 2015, a igreja Anglicana reformou seu Livro de Oração Comum, para uma linguagem mais inclusiva.

Juliana de Norwich, da Comissão Nacional de Liturgia da IEAB, salienta que pequenas mudanças foram feitas de modo a refletir esse princípio de forma mais evidente, estendendo por meio da liturgia o testemunho de que a humanidade – independente de gênero – é feita à imagem e semelhança de Deus, Pai e Mãe: isso não é fruto do acaso, mas graças, sobretudo, pela oportunidade da reforma ter sido efetuada por uma comissão composta por uma maioria de mulheres.
Nas suas palavras, onde mulheres têm voz, podemos enxergar seus problemas de exclusão de maneira mais clara – algo que os homens só vivem em teoria, sem que seja experiência de vida.

COMO PODEMOS APRENDER COM O EXEMPLO DE CARMEN?
Às vezes idealizamos os exemplos importados, e ignoramos a riqueza das mulheres mais próximas a nossa realidade brasileira. Em pleno século XXI, ainda há a discussão sobre o papel que o gênero feminino exerce na hierarquia. Mesmo que a ela seja permitido e/ou incentivado estudar, muitas tradições cristãs ainda veem como inconciliável uma mulher no comando de uma congregação, visto que ela dominaria sobre o homem, independente de que ela possa ser mais estudada que alguns homens nessa função. Assim, à mulher resta ensinar – em silêncio, invisível, e com um sorriso impecável.

Carmen chegou onde chegou pela dor de suas ancestrais e pela luta de suas irmãs. Nunca foi um presente. É conquista histórica que fazemos nos ombros umas das outras, dando as mãos. Assim, por meio do seu exemplo, ela também possibilitou a abertura de portas na IEAB para outras reverendas, diáconas, presbíteras e, recentemente, a primeira bispa anglicana do Brasil (e da América do Sul), Marinez Rosa Bassotto – que, aliás, é coautora em um excelente artigo sobre as mulheres e a eleição episcopal, para quem desejar mais aprofundamento).

A Igreja deve repensar como se relaciona com as novas dinâmicas na configuração da sociedade contemporânea, uma vez que caíram por terra as funções limitadas ao gênero: mulheres trabalham, estudam, encabeçam seus lares, não precisam necessariamente se casar. Não obstante, a pressão da tradição, especialmente cristã, ainda oprime irmãs que buscam o sacerdócio feminino. Cada vez mais se faz urgente uma releitura dos textos bíblicos e da nossa forma de enxergar a Bíblia, que por vezes faz mulheres reprimirem seus dons para mestras e pastoras.

As sementes da isonomia de gênero plantadas na primeira metade do século, que viraram árvores no pós segunda guerra, estão dando seus frutos, inclusive no modo como enxergamos e experimentamos a liturgia anglicana, sendo que esta, por sua vez, as demais vertentes cristãs.

Por fim, uno-me ao clamor de Etel, para que os homens também se empenhem em ajudar a quebrar o sexismo, uma vez que, invariavelmente, a construção de uma sociedade igualitária passa por todos os seus componentes.

Que a Ruah Divina seja louvada e que muitos outros fatos sejam possíveis na história da ordenação feminina na IEAB!
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Texto: artigo “Carmen Etel: a primeira reverenda da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB)”, de Cristina Alves publicado no site PROJETO REDOMAS.
Arte: colagem digital a partir de registro fotográfico.

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